Em 2022, ENRICH in LAC lançou duas chamadas para Outreach Grants para apoiar as PMEs européias e latino-americanas voltadas para a pesquisa a fim de conectar e explorar as possibilidades de cooperação e trazer suas soluções tecnológicas para o mercado. O objetivo desta subvenção era fornecer subsídios de viagem para visitas à parceiros ou participação em feiras e conferências internacionais.
Aila Raquel, cientista brasileira, empresária e diretora executiva da Alya Nanosatelites Constellation E.O., foi a bolsista selecionada de nossa primeira convocação. Ela recebeu apoio para participar e apresentar um trabalho científico no Congresso Internacional Astronáutico em Paris, França, em setembro de 2022.
Nesta entrevista, Aila fala sobre como ela fundou sua start-up, Alya Nanosatelites, seus projetos na Bahia (Brasil), seu trabalho com pesquisa e desenvolvimento, desafios do campo aeroespacial, internacionalização para a Europa e muito mais!
1) Você poderia falar sobre sua start-up Alya Nanosatellites e sua pesquisa na área de nanosatélites?
A Alya foi fundada em 2019 em Salvador, Bahia (Brasil), depois da minha participação em um programa de aceleração no Founder Institute. Logo após a fundação da empresa, participei da competição Amazonia Challenge onde tive acesso ao Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica e pude fazer a incubação da Alya. A missão da Alya é lançar nanosatélites de observação e monitoramento que cobrem toda a superfície terrestre usando sensores especiais com câmeras hiper-espectrais. As imagens e os dados capturados através dessas câmeras podem ser utilizados em projetos relacionados à agricultura, petróleo e gás, proteção ambiental, desastres naturais, etc. A fim de garantir um alto grau de confiabilidade, estou produzindo campos de validação e calibração (Cal/Val parks) na Bahia que podem simular diferentes ambientes naturais, variando da vegetação às condições do solo e da água.
Nossa missão de nanosatélites está sendo desenvolvida na Europa, onde pude encontrar profissionais mais expecientes, fazendo parcerias com especialistas na área aeroespacial. Alya foi então reconhecida pelo governo francês como uma empresa inovadora e eu como uma mulher de negócios talentosa. Também estou incubada em um parque tecnológico na França. Para mim, é uma oportunidade de dar os primeiros passos para a internacionalização da Alya na Europa. Nosso objetivo, desde o início do projeto, é distribuir e disponibilizar os dados que produzimos, nos permitindo alcançar uma maior quantidade de processadores de dados e reduzir os custos desses dados. Na Europa, também encontrei o programa da AESA ao qual pude aderir como empresa européia e distribuir esses dados gratuitamente em todo o mundo. Esta tem sido sempre minha missão, quero facilitar o acesso aos dados para que possamos encontrar soluções para uma variedade de problemas usando sensores especializados.
Em minha viagem mais recente à Europa, reuni uma equipe internacional incrível e interdisciplinar de especialistas em processamento de dados e agora queremos trazer esse conhecimento para o Brasil para treinar processadores de dados locais. Já podemos mapear águas subterrâneas e vazamentos de tubulações subterrâneas. Chegamos até a iniciar uma pesquisa inovadora para estudar a água subterrânea na lua. Tudo isso é feito no âmbito de parcerias globais de crescimento mútuo. Quero que todos os envolvidos trabalhem e cresçam juntos.
2) Como o seu trabalho contribui para o desenvolvimento da pesquisa e inovação do setor aeroespacial brasileiro?
Na Alya, os campos de validação e calibração são onde mais incorporamos pesquisa e desenvolvimento, pois nestes campos precisamos manter processadores de dados e cientistas que constantemente criam algoritmos para serem enviados aos satélites em órbita, treinando os sensores para reconhecer estes ambientes no superfície terrestre. Tais algoritmos podem nos ajudam na criação de alertas para desastres naturais, plantações (para evitar falhas nas colheitas, por exemplo), poluição dos oceanos e identificação de cardumes de peixes. Na Bahia, tive a oportunidade de construir uma forte parceria com o SENAI CIMATEC. A CIMATEC agrega grande valor no trabalho de soluções industriais, pois os pesquisadores da Alya podem colaborar com seus especialistas, fomentando a pesquisa e desenvolvimento em diferentes áreas. Além da CIMATEC, também colaboramos com a EMBRAPA e outras instituições nacionais de agricultura e proteção ambiental. Trabalharemos de forma semelhante nas estações terrestres que queremos construir no Brasil localizadas nas regiões sudeste, nordeste e norte. Cada uma delas irá monitorar os satélites, além de construir e transferir dados de pesquisas científicas. Elas também serão utilizadas para treinar os engenheiros espaciais, eletro e mecânicos que estarão envolvidos no trabalho de controle de foguetes e satélites.
3) Como você ouviu falar da ENRICH in LAC e da chamada para Outreach Grants?
Eu fui convidada para uma conferência no Rio de Janeiro organizada pela EUREKA, onde pude apresentar minha idéia comercial de organização aeroespacial brasileira inovadora. Lá, eu vi uma apresentação sobre ENRICH in LAC e fiquei imediatamente interessada. Acredito que ENRICH in LAC está profundamente conectada ao meu projeto e ao trabalho desenvolvido pela Alya através da busca por parcerias para soluções globais. Nesta ocasião, pude conversar com o palestrante [Filipe Cassapo, presidente da ENRICH in LAC] e comecei a estabelecer minha relação com a ENRICH. Mais tarde, participei de um evento organizado pela ENRICH in LAC, apresentando minha empresa e fazendo conexões comerciais. Desde então, tenho acompanhado as atividades da ENRICH in LAC.
Escrevi um artigo em co-autoria com o promotor da agência espacial brasileira, Dr. Ian Grosner, que foi aceito para o Congresso Internacional Astronáutico na França. No entanto, nenhum de nós teve financiamento do Brasil para defender nosso artigo no congresso, um dos mais importantes do setor. Felizmente, recebi a informação em uma das newletters da ENRICH in LAC sobre a chamada para Outreach Grants, oferecendo apoio financeiro para participar de feiras e conferências. Era exatamente o que eu precisava na época, então me candidatei e fiquei muito feliz em saber que me foi selecionada. Como uma mulher de negócios inovadores do Brasil, sendo reconhecida internacionalmente em minha área e trazendo consideráveis perspectivas de desenvolvimento para o Brasil e o mundo, não consegui obter o apoio necessário em outro lugar. Então o apoio da ENRICH in LAC foi realmente o que me permitiu participar da IAC para defender meu trabalho e eu fiquei extremamente feliz com isso.
4) Como a chamada para Outreach Grants da ENRICH in LAC contribuiu para os seus esforços em estabelecer relações de negócios e pesquisa científica na Europa?
Desde que comecei meu projeto, tenho desenvolvido várias conexões na Europa em diferentes níveis. Tenho sido convidada para participar de varias conferências e fóruns internacionais. Portanto, através da minha organização, já estabeleci muitas conexões internacionais. Quando soube que a ENRICH in LAC também desenvolve este tipo de parcerias, fiquei ainda mais interessado. Agora estou procurando aprofundar meu relacionamento com a ENRICH. Acredito que quanto mais conexões, melhor. Na era digital, entendo que o mais importante é fomentar as parcerias internacionais. Como pioneiros, podemos abrir novas portas para que qualquer outra pessoa possa trabalhar num ambiente estável. Assim, quando sei que posso contar com organizações como a ENRICH in LAC, me sinto mais confiante nas relações que construo para um melhor desempenho gobal.
5) Em setembro de 2022 voce apresentou un artigo científico no Congresso Internacional da Astronautico em Paris, o maior congress espacial do mundo. O que isso representa para voce e outros pesquisadores brasileiros?
Para mim esse foi o momento em que pude expressar minhas idéias e passar minha mensagem sobre as dificuldades que devo superar enquanto mulher brasileira empreendendo no setor aeroespacial no Brasil e no exterior. Isso traz certos valores para o público. Acredito que a maioria das pessoas não tem idéia de todos os desafios que enfrentamos para chegar onde chegamos, ou da falta de oportunidades para apresentar um projeto de alto nível em maior escala. Tive a sorte de, no momento da minha apresentação na IAC, termos conseguido apresentar ao vivo. Havia poucas apresentações que poderiam ter sido transmitidas ao vivo e a minha foi uma delas. Foi muito gratificante para mim poder alcançar um público mais amplo, porque quanto mais as pessoas souberem sobre você e seu projeto, mais portas e oportunidades estarão abertas para que seu projeto se desenvolva.
Além disso, é também uma fonte de inspiração para muitas pessoas. Estar exposto a este tipo de conteúdo e informação pode encorajá-las a encontrar força, superar desafios e buscar soluções globais para a humanidade. A IAC foi realmente um ambiente fantástico onde pude estabelecer várias parcerias, não apenas devido à minha apresentação, mas durante todo o congresso. Nomes importantes do setor espacial participaram do evento, desde empresas até representantes do governo. Portanto, estar presente no evento foi um dos maiores destaques da minha carreira. Tive a oportunidade de encontrar muitos parceiros de qualidade, expor meu trabalho diante de um público fantástico e transmitir uma mensagem da América Latina, como mulher brasileira, representando a liderança feminina no setor aeroespacial.
6) Quais são os proximos passos para desenvolver o seu projeto no Brasil e na Europa?
Neste momento, na França, estou fundando nossa empresa européia para desenvolver e integrar os nanosatélites também na Europa. Não apenas na França, mas tenho grandes parcerias na Suíça, Itália e Inglaterra. No Brasil, continuaremos a construir nossos campos de validação e calibração e também estações terrestres. Na verdade, tudo isso está ligado à nossa missão. Desde os nanosatélites e a entrega de produtos de confiabilidade graças aos campos Cal/Val no Brasil, até o controle das nossas constelações no Brasil, mas também no exterior, através de parcerias internacionais. É uma missão sem fronteiras. Ao mesmo tempo em que posso importar da Europa grande conhecimento na área de nanosatélites, posso também oferecer à Europa a possibilidade de utilizar nossas estações terrestres e campos Cal/Val, criando não uma ponte, mas como gosto de chamar um verdadeiro “duto de passagem” de ida e vinda entre todos os meus funcionários e pessoas que precisam de treinamento. A idéia é permitir uma experiência internacional para os funcionários da Alya, e vice-versa para os europeus no Brasil. Na verdade, ela vai além da Europa. Neste momento, trabalhamos também com a Ásia (China, precisamente) e com os Estados Unidos. Assim, cobrimos três continentes desenvolvendo relações comerciais estreitas para proporcionar um ambiente internacional e para criar um melhor impulso para todas as partes envolvidas trazendo grandes soluções inovadoras para o mercado global.